| 
  • If you are citizen of an European Union member nation, you may not use this service unless you are at least 16 years old.

  • You already know Dokkio is an AI-powered assistant to organize & manage your digital files & messages. Very soon, Dokkio will support Outlook as well as One Drive. Check it out today!

View
 

shirky02

Page history last edited by Dow Osage 10 years, 5 months ago

Onde Eles Encontram Tempo? - Gim, televisão, excedente social e os novos pressupostos da mídia - Clay Shirky (original)

 

Lubrificantes sociais

 

Eu me lembrei recentemente de ter lido na faculdade, lá atrás no século passado, textos de um historiador britânico que defendida que a tecnologia crítica na fase inicial da Revolução Industrial foi o gim.

 

A transformação da vida rural para a urbana foi tão repentina e agressiva que a única coisa que a sociedade pôde fazer para se segurar foi mergulhar em um torpor alcoólico por uma geração. As histórias dessa era são fantásticas - havia ambulantes empurrando carrinhos de gim pelas ruas de Londres.

 

E não foi até a sociedade acordar dessa bebedeira que nós começamos a ver surgir as estruturas institucionais que associamos hoje com a Revolução Industrial. Coisas como bibliotecas públicas e museus, ampliação da admissão de crianças em escolas, líderes eleitos. Muitas coisas que nós gostamos não aconteceram até que ter todas aquelas pessoas juntas parasse de ser visto como uma crise e fosse visto como um bem.

 

Não foi até as pessoas começarem a pensar nisso como um vasto excedente cívico que eles poderiam canalizar ao invés de dissipar que surgiu aquilo que nós conhecemos hoje como a sociedade industrial.

 

Os sitcoms da TV foram, na minha opinião, uma tecnologia crítica para o século 20, o lubrificante social sem o qual as rodas teriam saído dessa locomotiva.

 

Logo depois do fim da Segunda Guerra, uma série de coisas começaram a acontecer: aumento per capto de ganhos, aumento do nível de educação formal, aumento da expectativa de vida, crescimento do número de pessoas trabalhando em regime de cinco dias por semana. E pela primeira vez, a sociedade exigiu que essas pessoas administrassem algo que elas nunca tiveram que administrar: - Tempo livre!

 

E o que elas fizeram com o tempo livre? Assistir TV! Foi isso que dissipou o calor mental que do contrário levaria a sociedade a superaquecer.

 

É apenas agora que estamos acordando daquela bebedeira coletiva que estamos vendo o excedente cognitivo como um bem ao invés de uma crise e estamos criando maneiras para se tirar proveito disso, para aplicar esse excedente de maneiras que são mais do que ficar a toa.

 

Excedente cognitivo

 

Tive esse insight durante uma conversa que tive há uns dois meses. Eu estava sendo pré-entrevistado por uma produtora de TV para ver se valeria a pena para a emissora gravar uma entrevista comigo. Comecei falando do artigo sobre Plutão1 na Wikipédia, que é um dos que eu venho acompanhando ao longo dos anos.

 

Talvez você se lembre que Plutão foi expulso do clube dos planetas há uns anos, então, de repente, começa toda essa atividade na Wikipédia, nas páginas de discussão do verbete, as pessoas editando o artigo e toda a comunidade vive uma espécie de crise sobre como devemos caracterizar isso.

 

Enquanto eles brigavam nos bastidores, pouco a pouco eles foram mudando o artigo de "Plutão que é o nono planeta" para "Plutão que é uma rocha de formato esquisito com uma rota esquisita na beirada do Sistema Solar.

 

Então eu digo isso à produtora de TV e estou esperando que a gente tenha uma conversa sobre autoridade ou construção social ou algo assim, mas essa não foi a pergunta dela. Ela ouviu a história, balançou a cabeça e disse: - Onde é que essa gente encontra tempo?!

 

Nesse momento eu tive o estalo e pensei: - Ninguém que trabalha na televisão faz essa pergunta. Você sabe de onde vem o tempo. Vem do excedente cognitivo que você vem mascarando nos últimos 50 anos!

 

Qual é o tamanho desse excedente? Se você pega a Wikipedia como unidade, toda a Wikipedia, o projeto inteiro, todas as páginas, todas as edições, todas as páginas de discussão em todas as línguas em que a Wikipedia existe, isso representa algo em torno de 100 milhões de horas de pensamento humano. Eu fiz essa conta com Martin Wattenberg da IBM. É um cálculo aproximado mas a ordem de magnitude está correta, aproximadamente 100 milhões de horas de pensamento.

 

E assistir TV?... Duzentos bilhões de horas apenas nos EUA a cada ano. Posto de outra maneira agora que temos uma unidade, são 2 mil projetos do tamanho da Wikipedia por ano gastos assistindo TV. Ou posto ainda de outra forma, nos Estados Unidos gastamos 100 milhões de horas assistindo só os comerciais nos finais de semana.

 

Esse é um excedente bem grande e as pessoas que se perguntam onde se encontra tempo para fazer a Wikipedia não entendem como é minúsculo esse projeto inteiro, como parte desse bem que finalmente está sendo dragado para o que o Tim O'Reilly chama de uma "arquitetura de participação".

 

O que é interessante em um excedente como esse é que primeiro você não sabe o que fazer com ele. Não dá. Por isso o gim, os sitcoms, porque se você soubesse o que fazer com o excedente, em relação às instituições existentes, não existiria o excedente, não é?

 

É precisamente quando ninguém tem idéia de como aplicar alguma coisa que as pessoas começarem a experimentar com essa coisa de maneira que o excedente seja integrado e o curso dessa integração transforma a sociedade.

 

Onde estamos agora

 

A fase inicial, a fase que acho que ainda estamos, é toda feita com casos especiais. A física da participação é muito mais parecida com a física do clima do que com a física da gravidade. Nós sabemos todas as forças que se combinam para fazer as coisas funcionarem. Tem uma comunidade interessante aqui, tem um modelo de compartilhamento interessante lá, aquelas pessoas estão colaborando em programas de código aberto. Mas apesar de saber a composição, nós não podemos prever o resultado ainda por causa da abundância de complexidade.

 

Então, a maneira que você explora ecossistemas complexos é testando um montão de coisas, e você torce para que as pessoas que falharem falhem de maneira informativa para que pelo menos você encontre os crânios nas estacas próximos de onde você estiver indo. E essa é a fase em que estamos agora.

 

Vou dar um exemplo, um que eu estou apaixonado neste momento, mas que é pequenininho, você pode encontrar milhares como ele por aí. Há algumas semanas um dos meus alunos na Universidade de Nova York me passou o que o professor Vasco Furtado, de Fortaleza, no Brasil, fez. É o WikiCrimes, um mapa-wiki para o crime no Brasil.

 

Se acontece um assalto, roubo, assassinato, estupro, você pode ir ao site e colocar um alfinete no Google Maps e você pode caracterizar o assalto, e a partir daí começa a aparecer no mapa os locais onde o crime se concentra.

 

Isso é informação tácita. Todo mundo que conhece uma cidade, sabe coisas como: - Não vá ali, aquela esquina é perigosa! - Não vá nesse bairro! - Cuidado com esse lugar à noite!

 

Mas isso é algo que a sociedade sabe sem que a sociedade realmente saiba, no sentido de que não existe uma fonte pública que você possa usar.

E os policiais, se eles têm essa informação, certamente eles não estão compartilhando. Inclusive, uma das coisas que o professor Furtado diz ao explicar o motivo de começar o mapa-wiki é que essa informação pode ou não existir em algum lugar na sociedade, mas que é mais fácil para ele tentar recriá-la do zero do que tentar consegui-la das autoridades que podem tê-la.

 

Consumir, produzir e compartilhar

 

Agora, talvez o Wiki-crimes vá para frente, talvez não. O caso normal, o padrão do software social ainda é falhar. A maioria desses experimentos não sobrevivem, mas aqueles que conseguem são incríveis e eu espero que este tenha sucesso, obviamente. Mas mesmo que ele não consiga, ele já ilustrou o argumento de que uma pessoa trabalhando sozinha com ferramentas realmente baratas têm uma esperança razoável de extrair o suficiente do excedente cognitivo e do desejo de participar, o suficiente da boa-vontade coletiva dos cidadão para criar um recurso que você não teria imaginado ser possível há cinco anos. Então, essa é a resposta para a pergunta: - Onde eles encontram o tempo para editar a Wikipedia?

Junto com essa pergunta, está um outro pensamento, mas esse não era uma pergunta, mas uma observação que também faz parte da conversa com a produtora de tv. Eu falava sobre as associações de jogadores de World of Warcraft. E enquanto eu estava falando, eu podia ver o que ela estava pensando: - Adultos sentados no porão fingindo ser elfos?!

 

Bom, pelo menos eles estão fazendo alguma coisa!

 

Voce já viu aquele episódio de Ilha dos Birutas em que eles quase saem da ilha e daí o Gilligan estraga tudo e eles não conseguem? Eu vi! Eu vi muitas vezes quando eu estava crescendo. E cada meia hora foi meia hora que eu não estava publicando coisas no meu blog ou editando a Wikipedia ou contribuindo para uma lista de discussão. Agora, eu tinha uma boa desculpa para não estar fazendo essas coisas. Nenhuma dessas coisas existiam.

 

Eu fui forçado a aceitar o canal da mídia da forma como ele era porque era a única opção. Agora não é mais e essa é a grande supresa. Por mais que seja abominável sentar no seu porão e fingir que você é um elfo, eu posso te dizer por experiência própria que não é pior do que sentar no seu porão tentando decidir quem era a garota mais bonita de Ilha dos Birutas.

 

E eu estou disposto to elevar isso a um princípio geral:  É melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada! Mesmo Lolcats, mesmo fotos de gatinhos bonitos tornados ainda mais bonitos pela adição de legendas bonitinhas incluem um convite à participação. Quando você vê um lolcat, o que essencialmente está dito ali é:  - Se você tem algumas fontes sans-serif no seu computador, você também pode brincar desse jogo." E essa mensagem - eu posso fazer isso também - representa uma grande mudança. Isso é o tipo de coisa que as pessoas na mídia não entendem. A mídia no século 20 foi um desafio sem concorrente. Foi uma corrida movida pelo consumo: “- Quando podemos produzir? - Quanto você pode consumir? - Podemos produzir mais e você consumir mais?” E a resposta a essa pergunta geralmente foi sim. Mas a mídia é, na verdade, um triatlo: são três eventos diferentes. As pessoas gostam de consumir, mas eles também gostam de produzir e de compartilhar.

 

Procurando o mouse

 

Então, o que surpreende as pessoas que estavam comprometidas com a estrutura da sociedade anterior - anterior à possibilidade de se pegar esse excedente e fazer alguma coisa interessante com ele - é que eles estão descobrindo que quando as pessoas recebem a possibilidade de produzir e compartilhar, eles aceitam o convite. Não significa que nós nunca mais nos sentaremos sem pensar assistindo qualquer baboseira no sofá, só significa que faremos isso menos vezes.

 

E isso é a outra coisa sobre tamanho do excedente cognitivo de que estamos falando. Ele é tão grande que mesmo uma pequena mudança pode ter ramificações imensas. Vamos considerar que as coisas fiquem 99% iguais, que as pessoas assistam 99% da TV que elas costumam assistir, mas 1% disso seja usado para a produção e para o compartilhamento.

 

A população conectada à internet assiste em torno de 1 trilhão de horas de TV por ano. Essa quantidade é cinco vezes o tamanho do consumo anual nos Estados Unidos. Isso corresponde a 10 mil projetos do tamanho da Wikipedia por ano em quantidade de participação.

 

Eu acredito que isso vai ser importante. A produtora de TV que falou comigo não achava que isso fosse grande coisa. Ela não estava acompanhando esse raciocínio. E a questão final dela para mim foi: - Será que isso tudo não é um modismo? Como o flagpole-sitting2 no início do século 20? Tipo: é divertido sair e produzir e compartilhar um pouco, mas as pessoas eventualmente vão se dar conta de que isso não é tão bom quanto o que elas estavam fazendo antes e vão se acomodar?

 

E eu fiz uma defesa apaixonada de que este não era o caso, de que de fato este era uma mudança única, mais análoga com a Revolução Industrial do que com o flagpole sitting.

 

Eu não tenho certeza se ela acreditou em mim. O argumento que eu estava defendendo é de que esse não é o tipo de coisa que a sociedade supera, esse é o tipo de coisa que uma sociedade amadurece para ter.

 

Eu não tenho certeza se ela acreditou em mim, em parte porque ela não queria acreditar em mim. Mas em parte também porque eu ainda não tinha a história certa. E agora eu tenho.

 

Eu estava jantando com um grupo de amigos há mais ou menos um mês e um deles estava contando o seguinte caso: ele estava sentado com sua filha de 4 anos assistindo um DVD quando, no meio do filme, do nada, a menina pulou do sofá e correu para trás da TV.

 

Isso parecia ser um daqueles momentos engraçadinhos. “Vai ver que ela foi ver se tem uma porta nos fundos da TV” ou qualquer coisa assim. Mas isso não é o que ela foi fazer. Quando ela começou a remexer nos cabos, o pai dela perguntou: “Que que cê tá fazendo?” E, colocando a cabecinha para fora pelo lado da tela, ela respondeu: “Tô procurando o mouse!”

 

Essa é a perspectiva de uma criança de 4 anos. Uma tela que mostra coisas mas não tem mouse está quebrada! A mídia que tem você como alvo mas que não inclui você talvez não valha a sua atenção.

 

É nisso que eu estou baseando a minha suposição de que esta é uma mudança sem volta, porque as pessoas que estão mais profundamente impregnadas no ambiente atual - as pessoas que não tiveram que passar pelo trauma pelo qual eu tive que passar de tentar justificar uma infância passada assistindo A Ilha dos Birutas - essas pessoas estão reagindo ao pressuposto de que a mídia inclui consumo, produção e compartilhamento.

Isso também se tornou o meu lema agora. Quando as pessoas me perguntam o que estamos fazendo - e quando eu digo nós, me refiro à sociedade que está tentando descobrir como aplicar esse excedente cognitivo, mas também me refiro a nós, pessoas que estão trabalhando com o martelo e os pregos para descobrir a próxima grande idéia, é isso que eu vou dizer a elas: “Estou procurando pelo mouse.”

 

Nós vamos procurar em todos os lugares que um usuário ou um leitor ou um ouvinte ou um telespectador tenha sido posto para fora, que tiver sido servido com uma experiência passiva, enladada, previsível, e nos perguntar: “Se nós extraírmos um pouco do excedente cognitivo que agora reconhecemos que podemos usar, podemos fazer coisas boas acontecerem?”

 

Estou apostando que a resposta é sim.

 

 

Tradução: Juliano Spyer

Revisão: Barbara Dieu, Roberta Zouain, Paulo Pisano, Gustavo Rocha, Thiane Loureiro e Rodrigo Savazoni

 

 

Page Visitors: 

 

Recent Visitors:

Comments (0)

You don't have permission to comment on this page.