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Page history last edited by juliano 15 years, 6 months ago

A Web dos Birutas - Nicholas Carr (original / tradutores)

 

Atenção: Este artigo é uma resposta à palestra Onde Eles Encontram Tempo? - Gim, televisão, excedente social e os novos pressupostos da mídia de Clay Shirky. Além disso, ele é baseado em mitologia da TV que não repercute em nossos cérebros brasileiros. Gilligan's Island (em português: A Ilha dos Birutas passou no Brasil recentemente no canal TCM de velharias no cabo, enquanto nos USA representa a série maxima de Sessão da Tarde, que todo mundo viu, em reprise permanente desde 1964. Isto nos deixa sem contexto e talvez, apenas balançando a cabeça, fazendo de conta que faz sentido. É dificil *traduzir* deste modo e valer a pena. Segue, portanto, a versão integral do post, mas já estamos trabalhando em um resumo. E quem quiser ajudar a contextualizar este texto inserindo links para a Wikipedia, será muito bem-vindo ;-)

 

Apesar da mentalidade estraga prazeres dos Apagacionistas, a verdadeira glória da Wikipédia continua a se manifestar nas coisas obscuros, misteriosas e efêmeras. Em nenhum outro lugar você encontrará descrições cuidadosamente detalhadas de programas de TV, video games, desenhos animados, linguagens de programação obsoletas, estações de trem canadense, bem como o funcionamento das máquinas que só existem na ficção científica. Quando eu senti recentemente uma dor inesperada de nostalgia para o inventor animado canino Sr. Peabody e sua máquina Wayback, eu sabia exatamente o que fazer: direto para Wikipedia. Entre as jóias que eu desenterrei: a máquina Wayback foi efectivamente o máquina WABAC ( "um jogo de palavras com os nomes dos primeiros computadores como o UNIVAC e o ENIAC"), Sherman foi o filho adotivo do Sr. Peabody, o Sr. Peabody era não apenas um gênio, mas "possivelmente um sábio ", e a personalidade de Sherman "era de um rapaz ingênuo mas bastante brilhante e cheio de energia". Independentemente das outras coisas que ela for, a Wikipedia é um monumento ao comportamento obsessivo-compulsivo do adolescente masculino de guardar informação inútil.

 

Meu exemplo favorito é a maravilhosa cobertura panorâmica na Wikipedia da série popular dos anos 60, "A Ilha dos Birutas". Não apenas tem um verbete para o programa, mas artigos separados para cada um dos personagens do elenco - Gilligan, o Skipper, o Professor, Mary Ann, Ginger, Thurston Howll III e Eunice "Lovey" Howell - assim como os atores que interpretaram os papéis, o azarado SS Minnow, e até mesmo filmes para TV subsequentes baseados no programa, incluindo o clássico de 1981, The Harlem Globetrotters on Gilligan's Island. O melhor de tudo é a lista dos 98 episódios da série, que inclui um guia colorido para "visitantes, animais, sonhos e invenções de bambu". (Preciso de uma pausa aqui para avisar que algum pobre coitado apagacionista - perdão pela redundância - colocou no topo da página principal do verbete de a "Ilha dos Birutas" uma nota dizendo que "este artigo tem aparência de um site de fã" e convocando os wikipedianos: "por favor, ajude a melhorar o artigo removendo os detalhes não importantes". Vergonhoso, seus wikifascistas! Eu digo: isso é uma vergonha!)

 

E eu penso que isso vai mais fundo do que a Wikipedia. "A Ilha dos Birutas" tem sido um grande motivador de conteúdo gerado pelo usuário em todos os cantos da web. Veja este vídeo no YouTube com a eterna questão "Mary Ann ou Ginger?":

 

 

Na verdade se eu fosse chamado para dar um novo nome para a Web. 2.0, eu a chamaria de a Web dos Birutas, somente para ressaltar a simbiose entre os artefatos pop culturais da midia de massa e os o conteudo gerado pelos usuários encontrados online.

 

Entao, imagine minha supresa quando, há alguns dias, eu li uma recente transcrição do discurso do academico de novas mídias Clay Shirky deu em uma grande conferencia sobre Web 2.0 em que ele argumenta que a Ilha dos Birutas e a Web 2.0 são forças opostas nesta grande mudança da história humana. Estará o professor Shirky surfando em uma web diferente da nossa?

 

Para Shirky, o sitcom televisivo, como exemplificado pelo programa A Ilha dos Birutas, foi "a tecnologia crítica para o século XX". Por quê? Porque sugou todo o tempo de sobra que as pessoas repentinamente tinham em suas mãos nas décadas após a Segunda Guerra Mundial. O sitcom "funcionava essencialmente como uma espécie de dissipador de calor, dissipando pensamentos que de outra forma poderiam ter se organizado e feito com que a sociedade superaquecesse". Não estou exatamente certo do que Shirky quis dizer com "superaquecimento da sociedade", mas, de qualquer forma, não foi antes do surgimento da Rede Mundial de Computadores e sua "arquitetura de participação" que nós subitamente adquirimos a capacidade de fazer algo produtivo com nosso "excedente cognitivo", como editar artigos da Wikipédia ou interpretar o papel de um elfo num clã de Wolrd of Warcraft. Shirky escreve: 

 

Você chegou a ver aquele episódio de A Ilha dos Birutas em que eles quase conseguem sair da ilha e então Gilligan faz algo errado e então eles não escapam? Eu vi. Eu vi aquele episódio muitas vezes quando eu estava crescendo. E cada meia hora que eu assistia era meia hora em que eu não estava postando no meu blog ou editando a Wikipedia ou contribuindo numa lista de discussões. Agora, eu tenho uma boa desculpa para não ter feito essas coisas, que é o fato de que nenhuma delas existia naquela época. Fui forçado ao canal da mídia como ela era porque era a única opção. Hoje não é, e essa é a grande surpresa. Não importa o quão ridículo seja sentar em seu porão e fingir ser um elfo, posso garantir por experiência própria que é pior sentar em seu porão e tentar decidir quem é mais bonita, se Ginger ou Mary Ann.

 

O cálculo de Shirky é algo assim:

 

Gastar muito tempo assistindo os episódios de A Ilha dos Birutas: ruim

 

Gastar muito tempo assistindo os episódios de A Ilha dos Birutas e depois gastar muito mais tempo escrevendo sobre o conteúdo desses episódios assistidos na Wikipédia: bom

 

Mas isto nao é justo, porque Shirky está defendendo um argumento mais importante a respeito da sociedade e seu desenvolvimento. Ele tem mais o que fazer do que se importar com o Gilligan e seus amigos esquisitos. Scott Rosenberg faz um bom trabalho ao resumir os argumentos de Shirky: 

 

Resumidamente, ele sugere que (durante os primeiros anos da Revolução Industrial) os ingleses estavam tão chocados e desorientados pelas mudanças em suas vidas da área rural para a cidade que eles se auto-anestesiaram com álcool até que tempo suficiente tivesse passado para a sociedade começar a entender o que fazer com essas enormes novas aglomerações humanas - como organizar cidades e a vida industrial, tanto que eles não só seriam mais tolerantes, mas realmente utilizavam as sobras do que eles criavam em coisas de valor social. 

 

Isso é, quase com certeza, uma enorme simplificação, mas também é uma afirmação provocativa e divertida. Ela estabelece uma paralelo futuro com o EUA do pós-guerra, onde um novo nível de riqueza criou uma sociedade na qual as pessoas tinham, de fato, tempo livre. O que as pessoas podiam fazer com ele? Veja a televisão - a bebida alcóolica do século 20! Nós a deixamos ficar com todo nosso tempo livre por várias décadas até que novas oportunidades apareceram para fazer melhor uso dos nossos ciclos cerebrais disponíveis - Shirky chama isso de "o excedente cognitivo". O que nós estamos finalmente fazendo com nosso tempo livre, ao menos com um pouco dele, é criando novas coisas na internet.

 

O que Shirky está fazendo aqui, em essência, é re-empacotar a mitologia da libertação que há muito tempo caracteriza os textos mais utópicos sobre a Web. A mitologia faz uma distinção clara entre nossas vidas antes do advento da web (AW [antes da web]) e nossas vidas depois do nascimento divino da web (DW [depois da web]). Nos anos obscuros dias AW, nós nos sentávamos passivamente no sofá e estávamos, nas palavras de Shirky, "forçados ao canal da mídia do jeito que era, porque era nossa única opção".  Nós éramos pedaços de madeira flutuando, indo com a corrente que o rio da mídia nos impusesse. Estávamos presos ao porão mofado de Shirky.

 

A Web, prossegue o mito, nos emancipou. Nós já não éramos empurrados passivamente para o canal de consumo. Podiamos "participar". Podiamos "compartilhar". Podiamos "produzir". Quando viramos nossos pescoços da tela da TV para a tela do computador, fomos libertados: 

 

A mídia no século 20 foi tratada como uma corrida única - consumo. Quanto é que podemos produzir? Quanto você pode consumir? Podemos produzir mais e vocês vão consumir mais? E a resposta a essa questão tem sido geralmente sim. Mas essa mídia é na verdade um “triathlon”, são três eventos separados. As pessoas gostam de consumir, mas também gostam de produzir, e elas gostam de compartilhar. E o que tem espantado as pessoas que estavam comprometidas com a estrutura da sociedade anterior, antes de tentar aproveitar este excedente [cognitivo] e fazer algo interessante, é que elas estão descobrindo que quando você oferece às pessoas a oportunidade de produzir e de partilhar, elas aceitam esse desafio.

 

Acho que todos concordamos que a web está mudando a estrutura da mídia e isso terá muitas ramificações importantes. Algumas serão boas e algumas serão ruins, e a forma como elas acontecerão permanece desconhecida. Mas e a idéia de Shirky de que nos anos antes da web nós éramos incapazes de fazer algo "interessante" com o nossa "cognitiva excedência" - que a "única opção" era assistir TV? Isso, francamente, é bobagem. Pode ser que Clay Shirky tenha passado todo seu tempo antes de 1990 assistindo séries em seu porão (embora eu duvide muito) mas eu também vivi nesses anos obscuros e lembro de muito mais coisas acontecendo.

 

Meus amigos e eu assistíamos a "Ilha dos Birutas"? Pode apostar que sim - e nos divertíamos muito (embora com uma perspectiva um pouco mais irônica do que Shirky permite). Assistir séries e outros enlatados servidos pela televisão certamente era parte de nossas vidas. Mas certamente não era o centro de nossas vidas. A maioria das pessoas que eu conheci estavam fazendo muito de "participação", "produção" e "compartilhando" e não apenas na esfera simbólica da mídia, mas no mundo físico também. Eles estavam fazendo filmes de 8 milímetros, tocando baterias e guitarras e saxofones em bandas, compondo músicas, escrevendo poemas e estórias, pintando, fazendo impressões em madeira, tirando e entregando fotografias, desenhando quadrinhos, encerando carros, construindo linhas de trem elaboradas, lendo ótimos livros e assistindo grandes filmes e discutindo-os apaixonadamente pela noite, sendo voluntários em campanhas políticas, protestando por diversas causas, e muitas, muitas outras. Me desculpe, mas ninguém estava parado, como alguns pedaços de lixo no rio, em apenas um canal da mídia. 

 

Tom Slee, em sua penetrante critica do livro novo do Shirky, Here Comes Everybody, arranca um pouco do verniz brilhoso da mitologia de liberação da Net. No livro, Shirky descreve com clareza e inteligencia as dinâmicas sociais e economicas das comunidades virtuais. Mas, como o Slee nota, ele se entrega em seu entusiasmo pela web de um jeito que novamente cria uma linha exageragamente marcada entre o antes e o depois. 

 

Clay olha para a Internet e vê vários grupos se formando (e as coisas são fáceis de se ver na Internet, porque mesmo as nossas verbalizações mais corriqueiras ficam armazenadas no servidor de alguém para serem investigadas na posteridade), e conclui que no mundo está a todo vapor uma nova forma de agrupamentos, de uma forma que nunca vimos antes... Enquanto Clay está nos contando tudo sobre o uso da tecnologia digital para desencadear novas formas de protesto na Bielorrússia, que é uma fascinante história, nós realmente precisamos ... perguntar por quais motivos, com todas estas ferramentas de agrupamento à nossa disposição e, apesar da comprovada desilusão com a guerra no Iraque, há tão pouco protesto coerente acontecendo, se os compararmos com as guerras anteriores? Será realmente que agora, graças à Internet a sociedade está se tornando mais democrática, mais colaborativa, e mais cooperativa do que antes? Eu não estou convencido.

  

Como Slee sugere, a mitologia da libertação evapora quando você observa cuidadosamente a história. É válido lembrar que "A ilha dos birutas"originalmente passou na televisão do fim de 1964 ao fim de 1967, um período notório não por sua passividade social, mas sim por seu ativismo social. Estes foram anos não apenas de grande exploração e inventividade cultural e artística mas também de amplos protestos, quando pessoas organizadas em gigantescos - e reais - grupos dentro do movimento de direitos civis, o movimento anti-guerra, o movimento feminista, o movimento folk, o movimento psicodélico, e todas os outros. As pessoas não estavam em seus porões; elas estavam nas ruas.

 

Se todos foram tão anestesiados pela Ilha de Birutas, como você explica exatamente 1968? A resposta é: não explica, você não consegue.

 

De qualquer maneira, se você começa a comparar 1968 e 2008, você pode até se pegar pensando que, na média, a Web não é um motor de ativismo social, mas sim de passividade social. Você pode até sugerir que a Web aglutina os nossos desejos de "participação" e "compartilhar" em canais aceitos politica e comercialmente - que isso nos torna atores de teatro, elfos de faz-de-conta em clãs de faz-de-conta.

 

E em relação à questão mais importante [sobre quem é a mais bonita de A Ilha dos Birutas]: Mary Ann. 

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