Cultura Livre - Por Lawrence Lessig (original / tradutores)
Nota do editor: Em seu discurso diante da platéia lotada no Open Source Convention, Lawrence Lessig desafia o público a se envolver mais com os processos políticos. Lawrence, um incansável defensor do Open Source (conceito de código aberto de programação e software não proprietário), é professor na Escola de Direito da Universidade de Stanford e fundador do Centro para Internet e Sociedade da universidade. Ele é também autor do best-seller "Code, and Other Laws of Cyberspace”. Aqui segue a transcrição completa da apresentação de Lawrence em 24 de julho de 2002.
Lawrence Lessig: eu tenho feito isto nos últimos dois anos -- mais de 100 apresentações como esta. Esta é uma das últimas. Vai ser mais uma e depois chega. Então achei que deveria terminar com uma canção. Mas me dei conta de que eu não sei cantar e não sei compor. Então trouxe pelo menos o refrão, tudo bem? Ele vai direto ao ponto. Se você entender o refrão, vai compreender tudo o que eu quero dizer hoje. Em quatro partes:
- Criatividade e inovação sempre surgem do passado.
- O passado sempre tenta controlar a inovação que se constrói sobre ele.
- Sociedades livres abrem espaço para o futuro limitando o poder do passado.
- Nossa sociedade é cada vez menos e menos uma sociedade livre.
Em 1774 nasce a cultura livre. Em um processo chamado Donaldson versus Beckett, na Câmara dos Lordes da Inglaterra, a cultura livre foi criada porque o 'copyright' foi interrompido. Em 1710, o estatuto dizia que os direitos autorais deveriam ser limitados a um prazo de apenas 14 anos. Por volta de 1740, quando editores escoceses começaram a reimprimir clássicos (a gente tem que amar os escoceses), os editores de Londres disseram: "Pare! Copyright é para sempre!". Sonny Bono disse: "Copyright pode ser para sempre, menos um dia", mas os editores londrinos disseram: "Copyright é para sempre".
Esses editores -- aos quais Milton se referia como velhos patenteadores e monopolizadores do comércio de livros, homens que não trabalhavam de forma honesta (com exceção de Tim aqui) -- achavam que havia um preço a ser cobrado pelo aprendizado. Esses editores exigiram uma lei comum de ‘copyright’ que duraria para sempre. Em 1769, em um caso chamado Miller versus Taylor, eles ganharam a causa, mas cinco anos depois, no caso Donaldson, Miller foi revogado e, pela primeira vez na história, as obras de Shakespeare ficaram livres do controle e do monopólio dos editores. A cultura livre foi consequência disso.
Lembrem-se do refrão. Eu poderia cantá-lo, mas vocês não iriam gostar muito. Ok. Bem, vemos isso no final.
A Cultura Livre foi trazida para a América em nosso nascimento, em 1790. Nós estabelecemos um regime que deixava a criatividade sem regulamentação. Ela ficou desregulamentada porque o copyright cobria somente a "impressão". A lei de direitos autorais não controlava outros tipos de trabalhos derivados do original. Além disso, a lei de direitos autorais garantia a proteção somente pelo tempo limitado de 14 anos.
Nós nascemos desse jeito, mais fundamentalmente, em 1790, por conta da tecnologia da época, todas as coisas protegidas por patente ou direito autoral eram de código livre. Você podia pegar as obras de Shakespeare e ler na fonte -- neste caso, a fonte era o livro. Você podia pegar qualquer trabalho criativo protegido pela lei e compreender como ele foi feito apenas estudando-o. Essa era a definição e o regime, e mesmo no contexto de patentes, as tecnologias eram transparentes. Você não precisava ler a patente da máquina de beneficiamento de algodão para entender como ela funcionava, certo? Você podia simplesmente desmontá-la.
Essas proteções legais existiam em um contexto em que entender e aprender ainda eram livres. O controle naquela cultura era muito pequeno. Bonitinho, não? Controle, pequeno... OK. Mas não só naquela época. Esqueça os séculos 18 e 19 ou mesmo o início do século 20. Aqui vai o meu exemplo favorito: em 1928, meu herói, Walt Disney, criou essa extraordinária obra, o nascimento de Mickey Mouse na forma do “Steamboat Willie". Mas o que você provavelmente não sabe sobre “Steamboat Willie” e sua transformação para o Mickey Mouse é que, em 1928, Walt Disney, usando a linguagem atual da Disney Corporation, “roubou” Willie do filme "Steamboat Bill”, de Buster Keaton.
Era uma paródia, uma versão construída sobre “Steamboat Bill”, produzido em 1928, e não precisaram 14 anos para que ele fosse “ripado, mixado e queimado” e criasse o império Disney. Essa era a sua natureza. Walt sempre copiou longa-metragens do mainstream para produzir o império Disney e nós vemos o resultado disso. Assim é a Disney Corporation: pega obras de domínio público, ou mesmo as que ainda não são de domínio público, e as transforma em algo novo, grandioso e criativo. Eles pegaram as obras desse cara, desses caras, os irmãos Grimm, que você acredita que eram grandes autores por conta própria. Eles criaram essas histórias horríveis, esses contos de fada dos quais qualquer um deve manter seus filhos longe, uma vez que são estórias extremamente moralistas e violentas, e não são o tipo de coisa que crianças devem assistir, mas que nos foram recontadas pela Disney Corporation. A Disney Corporation podia fazer isso porque vivia no igualitarismo cultural e intelectual, numa época de “commons”, em que pessoas podiam livremente usar e recriar. Era uma zona livre de regulamentação.
(A audiência aplaude)
Isso era cultura, de um tipo que você não precisa da autorização de outra pessoa para pegar algo e recriar em cima. Essa era a característica da criatividade no início do século passado. Ela foi construída a partir de um requerimento constitucional que determinava que a proteção fosse por tempo limitado. Catorze anos, se o autor continuasse vivo, depois por 28, depois em 1831 foi para 42, depois em 1909 aumentou para 56 e, depois disso, magicamente, a partir de 1962 - olhe, sem as mãos! - o termo de copyright se expande.
Onze vezes, nos últimos 40 anos, o termo de copyright foi estendido para obras existentes -- não apenas para novos trabalhos que ainda estão para ser criados, mas obras já existentes. O mais recente é o ato de extensão de copyright de Sonny Bono. Nós que o amamos conhecemos como o ato de proteção Mickey Mouse, pelo qual, obviamente, toda vez que o Mickey está prestes a se tornar domínio público os termos de copyright são extendidos. O significado disso é muito claro para aqueles que pagam para produzir. O significado é: ninguém pode fazer à Disney Corporation o que Walt Disney fez aos irmãos Grimm. Aquela cultura na qual as pessoas podiam pegar algo e recriar acabou. Não existe essa coisa de domínio público na cabeça daqueles que criaram essas 11 extensões em 40 anos porque agora a cultura tem dono.
Lembrem-se do refrão: Nós sempre construímos sobre o passado e o passado sempre tenta nos impedir. Liberdade é parar o passado, mas perdemos esse ideal.
As coisas são diferentes hoje, diferentes até mesmo de quando Walt criou a Walt Disney Corporation. Hoje temos um massivo sistema para regulamentar a criatividade. Um massivo sistema de advogados regulamentando a criatividade na forma de uma lei de copyright que se expande de maneiras irreconhecíveis, indo da regulamentação da publicação até a regulamentação da cópia. Você sabe o que o computador faz quando você dá um boot? Ele faz cópias, não apenas de trabalhos originais, mas até mesmo dos trabalhos que derivaram do original. Indo de 14 anos para novas obras produzidas por autores reais -- há cada vez menos gente assim por aí -- até a vida toda, mais 70 anos. Essa é a expansão da lei, mas há também a expansão do controle através da tecnologia.
OK, primeiramente, essa realidade de criatividade opaca é o que você conhece como código proprietário. Criatividade onde você não consegue ver como as coisas funcionam, e a lei protegendo aquilo que você não pode ver. Não é um Shakespeare que você pode estudar e entender porque o código é, por natureza, aberto. A natureza foi mudada em nossa moderna era tecnológica, então a natureza pode ser escondida e ainda ser protegida pela lei -- e não apenas através da proteção legal, mas cada vez mais cerceada pelo aumento do controle do uso de trabalho criativo.
Aqui está o meu Adobe eBook Reader, certo. Alguns de vocês já viram isso antes, tenho certeza. Aqui está Middlemarch, uma obra de domínio público (clássico da literatura inglesa, de 1874, escrito por George Eliot, com 900 páginas). Aqui estão as “permissões” (um advogado teve alguma coisa a ver com isso) sobre o que você pode fazer com essa obra de domínio público: você pode copiar até 10 seleções para o clipboard a cada 10 dias. Quem definiu esses números eu não sei, mas você pode imprimir 10 páginas desse livro de quatro milhões de páginas a cada 10 dias, e você está autorizado a se sentir livre para usar o botão de leitura em voz alta para ouvir o livro, certo?
Agora, a Política de Aristóteles, outro livro de domínio público que nunca foi realmente protegido por direitos autorais, mas com esse livro você não pode copiar qualquer seleção do texto, ou imprimir qualquer página, mas fique à vontade para escutá-lo. E para a minha maior vergonha, apresento meu último livro, certo? Não pode copiar, não pode imprimir, e não se atreva a usar a tecnologia para ouvir meu livro. (Risos). Vou ter um botão de cantar na minha próxima versão do Adobe. Leia um livro, leia um livro...
A questão é que o controle está sendo construído dentro da tecnologia. Vendedores de livros em 1760 não faziam idéia do poder que vocês, desenvolvedores de códigos, lhes dariam algum dia no futuro, e o poder que esse controle adiciona a expansão da lei. Legislação e tecnologia criam, juntas, uma forma de regulamentação da criatividade jamais vista antes. Certo? Porque aqui, aqui há uma simples lição sobre copyright: a lei regulamenta cópias. E o que isso significa? Bem, antes da Internet, imagine isso como sendo um mundo de todas as possibilidades de uso de trabalhos protegidos por copyright. A maioria deles é desregulamentada. Falando sobre "utilização justa", isso não é utilização justa, é um utilização desregulamentada. Ler não é um uso justo, é um uso não regulamentado. Dar uma cópia da obra a alguém não é uma utilização justa, é desregulamentada.
Vender, dormir em cima, fazer qualquer uma dessas coisas com esse texto é algo não regulamentado. Mas, no cerne desse uso não regulamentado, há uma pequena quantidade de coisas regulamentadas pela lei de copyright. Por exemplo, publicar o livro. Isso é regulamentado. E no meio dessas poucas coisas regulamentadas, há essa linha tênue antes da Internet de coisas que chamamos de utilização justa: usos que antes seriam regulamentados mas sobre os quais a lei diz que você poderia realizar sem precisar da autorização de alguém. Como citar um texto dentre de um outro texto -- é uma cópia, mas ainda assim é um uso justo. Isso significa que o mundo era dividido em três áreas, não duas: usos desregulamentados, usos regulamentados que era usos justos, e a quintessência do mundo do direito autoral. Três categorias.
Aí chega a Internet. Todo ato é uma cópia, o que significa que todos esses usos não regulamentados desaparecem. Presumidamente, tudo o que você faz com sua máquina na rede é um uso regulamentado. E agora isso nos força a discutir essa pequena categoria: “E a utilização justa?” Eu digo então: para o inferno com as utilizações justas. E o que dizer das utilizações não regulamentadas que tínhamos na nossa cultura antes da expansão do controle? Agora, usos desregulamentados desaparecem, nós brigamos pela utilização justa, e eles arrumam um jeito de acabar com ela também, certo? Aqui vai um exemplo bastante familiar para vários de vocês, o Sony Aibo Pet, que você pode ensinar a fazer todo tipo de coisa. Ai alguém fez um sensacional site aibopet.com para ensinar as pessoas a "hackear" seus cachorros-robôs. Agora lembrem-se, os cachorros são deles, certo? E esse site de fato queria ajudar a hackear seu cachorro para que ele dance jazz. Lembrem-se (europeus costumam se confundir com isso) não é contra a lei dançar jazz nos Estados Unidos.
É um ato totalmente permitido -- até mesmo um cachorro pode dançar jazz. Na Georgia, há algumas jurisdições sobre as quais não tenho certeza (risos), mas basicamente dançar jazz é uma atividade OK. Então o Aibopet.com dizia: "Veja aqui como hackear o seu cachorro para fazê-lo dançar jazz”. Seria, no mínimo, uma utilização justa desse pedaço de plástico que custa mais de US$ 1.500. Você pensaria: “isso é uma utilização justa”, certo?
Eis um comunicado enviado para o site: o seu site contém informações que fornecem meios para violar o Aibo, feito sob o protocolo de proteção de cópias, o que constitui desrespeito às normas de não-violação. Apesar de ser uma utilização justa, ela não era permitida pela lei. O uso justo foi apagado dos tempos atuais por essa combinação de legislação e tecnologia que diz “não toque nisso”, deixando pra trás mais uma categoria onde jstará havia três: o controle do copyright, controlando a criatividade.
Agora isso é o que vocês devem se lembrar. Vocês devem enxergar isso. Esse é a questão. (E Jack Valenti perdeu isso.) Eis a questão: nunca isso foi tão controlado. Considere as adições, as mudanças, a vez do copyright, considere as mudanças no escopo do copyright, contraponha isso ao cenário de uma estrutura extraordinariamente concentrada de mídia, e você chega à conclusão de que nunca na nossa história houve tão poucas pessoas controlando mais da evolução da nossa cultura. Nunca.
Nem mesmo antes do nascimento da cultura livre, nem em 1773 quando os direitos autorais eram perpétuos, porque, de novo, eles apenas controlavam as impressões. Quantas pessoas tinham impressoras? Você podia fazer o que quisesse com estes trabalhos. Usos comuns eram completamente não regulados. Mas hoje, é a sua vida que é perpetuamente regulamentada no mundo em que você vive. É controlada pela lei. Aqui vale o refrão: A criatividade depende de impedirmos esse controle. Eles sempre tentarão impor isso; e somos livres para acreditar que resistiremos, mas somos cada vez menos livres.
Vocês ou o GNU (General Public License), pode escolher, constróem um mundo de criatividade transparente -- é o seu trabalho, essa estranha exceção de que no século 21 exista uma indústria devotada à criatividade transparente, ao livre compartilhamento do conhecimento. Isso não era uma escolha em 1790, era natural em 1790. Vocês estão reconstruindo a natureza. É o que vocês fazem. Você constrói uma base comum para que outras pessoas possam construir em cima. Você faz dinheiro, não, bem, não o suficiente, mas você faz algum dinheiro em cima disso. Este é o seu projeto. Crie como se fosse 1790. É o seu modo de ser. E aí você lembra ao resto do mundo o que era um tempo quando criatividade e inovação eram um processo os quais as pessoas adicionavam ao conhecimento coletivo. Nesta batalha entre uma estrutura proprietária e uma estrutura livre, você mostra o valor do livre e os anúncios como os da RealNetworks demonstram, o que é livre ainda captura a imaginação dos mais criativos desta indústria. Mas apenas por ora. Apenas por ora. Apenas por ora, porque códigos livres ameaçam e as ameaças se voltam contra o código livre.
Vamos falar sobre as patentes de softwares. Há um cara, Senhor Gates, que é brilhante, certo? Ele é brilhante. Um brilhante homem de negócios, ele tem alguns insights, e ainda é um brilhante criador de princípios. Eis aqui o que ele escreveu sobre patentes de softwares: "Se as pessoas tivessem entendido como as patentes seriam concedidas quando a maior parte das idéias atuais foram inventadas e tivessem patenteado essas invenções, a indústria estaria hoje em um completo marasmo". Aqui está a primeira coisa que eu tenho certeza que você leu do Bill Gates com a qual você concorda 100%. Gates está certo. Ele está absolutamente certo. Mas aí nos voltamos ao gênio dos negócios: "A solução é patentear o máximo que pudermos. Uma futura empresa, uma "startup" sem patentes próprias será forçada a pagar qualquer preço que os gigantes decidirem impor. Esse preço pode ser alto. Grandes empresas têm interesse em excluir futuros concorrentes". Excluir futuros concorrentes.
Agora, se passaram quatro anos desde que essa batalha entrou no radar das pessoas de forma a deixá-las transtornadas. Quatro anos. E tem havido alterações mínimas nesse contexto. Tem havido um série de mudanças "Tim", correto? Tim entrou lá e criou algo para combater as patentes ruins. Isso foi ótimo. Houve ainda uma série de mudanças Q. Todd Dickson. Ele era um antigo executivo da comissão de patentes - nunca vi uma que ele não gostasse. Mas ele fez algumas pequenas mudanças no modo como o processo deveria funcionar. Mas então o campo foi dominado pelos apologistas do status quo. Apologistas que diziam "Nós sempre patenteamos tudo, logo devemos continuar a patentear isso." Pessoas como Greg Aharonian, que anda dizendo que cada uma das patentes que estão por aí são idiotas. Mas aí então acaba que sistema de patentes é maravilhoso e nós não devemos reformá-lo nunca. Certo?
Esse é o mundo no qual vivemos hoje, um mundo que produz esse crescimento contínuo de patentes de software. E aqui está a questão: o que nós fizemos a respeito disso? O que você fez a respeito disso? Excluir futuros competidores - esse é o slogan, certo? E a empresa que deu origem ao slogan que acabei de mencionar só usou patentes de forma defensiva. Mas como Dan Gillmor citou, "Eles também disseram, vejam, esse Movimento de Open Source tem que entender que há uma série de patentes por aí e não consigo imaginar que nós não vamos usá-las quando for necessário.
Agora, a questão sobre patentes é que elas não são armas nucleares. Não é a física que as faz poderosas, são advogados e legisladores e o Congresso. E a questão é, você pode lutar o quanto quiser contra as leis da física que fazem uma arma nuclear ser capaz de destruir a humanidade, mas não vai adiantar de nada. Mas você ainda sim pode fazer alguma coisa. Você poderia abastecer uma revolução que lute contra essas ameaças legais. Mas o que você tem feito sobre isso? O que você tem feito?
(A audiência aplaude)
Em seguida, as guerras do direito autoral: de certa forma, são tragédias Homéricas. Digo isso num contexto bem moderno. Eis a estória: tinha um cineasta que estava fazendo um documentário sobre educação nos Estados Unidos. E ele estava filmando uma sala de aula cheia de gente, crianças, que estavam completamente distraídas com uma televisão ligada no fundo da sala. Quando eles foram editar o filme, se deram conta do que passava na televisão, apesar de ser quase impossível identificar o que era em 2 segundos do programa: era Os Simpsons, com Homer Simpson na tela. Então eles ligaram para Matt Groening, que era amigo do documentarista, e disseram, então, será que vai ter problema? São apenas alguns segundos. Matt diz, não, não, não vai ter problema, liga para fulano e cicrano. Então eles ligaram pra fulano e cicrano, e fulano e cicrano falaram para eles ligarem para beltrano.
Mas, de repente, eis que o beltrano era um advogado, então diante do advogado eles perguntaram, e aí, tem problema? É um documentário. É sobre educação. São apenas alguns segundos. E aí beltrano responde que vai custar 25 mil. 25 mil? São só alguns segundos! Que história é essa de 25 mil? Aí beltrano diz que não liga a mínima para o objetivo do filme. São 25 mil ou mude o filme. Agora você olha pra isso e diz que é insano. É insano. E se fosse apenas Hollywood que tivesse que lidar com isso, tudo bem. Eles que se entendam na sua insanidade. O problema é que essas regras insanas estão sendo aplicadas para tudo no mundo. Essa insanidade de controle aumenta quando qualquer coisa que você faça envolva o assunto de direitos autorais.
Aí vem o tal de broadcast flag (marca digital), que diz "Antes de uma tecnologia ser capaz de se conectar com a DTV (TV Digital), ela precisa ser desenhada para controlar a DTV através da busca de uma broadcast flag." É reconstruir a rede para se certificar que esse bit de conteúdo está perfeitamente protegido, ou então corrija para que esteja...chips que serão obrigados por lei a serem introduzidos nas máquinas, aos quais a Intel se refere, de um forma bem precisa, como sendo um "estado policial" em cada computador. E eles iriam construir esses computadores, mas se opoem a esse sistema de estado policial.
E então, mais recentemente, a proposta ultrajante onde o Congresso ratifica o direito de proprietários de direitos autorais a atacar máquinas P2P (peer-to-peer) - com códigos danosos que se espalham e tentam derrubar máquinas P2P. Vigilantismo digital. E não só é permitido a você processá-los se eles fizerem isso sem que eles devessem ter feito, mas você vai ter que procurar o promotor e conseguir autorização do promotor antes de você poder processá-los por esse código que se espalha e destrói sua máquina...quando não deveria ser permitido sequer a existência de um código que destrói sua máquina. É disso que se fala em Washington. É isso que eles estão fazendo. Isso é, como Jack Valenti diz, uma guerra terrorista que eles estão travando contra você e seus filhos, os terroristas. Aí você para e se pergunta, para que? Por quê? Qual o problema? E eles dizem, é para interromper o mal que você está causando.
Logo, qual é o prejuízo? Qual é o prejuízo causado por essas terríveis redes P2P espalhadas por aí? Considerem as próprias estatísticas deles. Eles disseram que no ano passado o número de CDs compartilhados na internet gratuitamente foi cinco vezes maior que o de CDs vendidos. Cinco vezes. Depois considere as estatísticas deles sobre o prejuízo causado por esse compartilhamento gratuito que representou cinco vezes o número de CDs vendidos: uma queda de 5% nas vendas. Cinco por cento. Agora vejam, houve recessão no ano passado, eles aumentaram os preços e mudaram a forma como fazem as contas. Tudo isso já poderia explicar os cinco por cento, mas mesmo que não explicasse, o prejuízo total causado por essa cinco vezes o número de CDs compartilhados gratuitamente foi ainda de apenas 5%.
Agora, estou totalmente de acordo com uma guerra no contexto certo, mas seria mesmo este o terreno no qual fincaríamos o pé para declarar uma "guerra terrorista" contra a tecnologia? Esse tipo de prejuízo? Mesmo se cinco por cento lhes dá o direito de destruir essa indústria, ou seja, será que alguém pensa sobre o declínio dessa indústria, que é muitas vezes tão grande quanto a deles, causado por essa guerra terrorista sendo declarada contra qualquer pessoa que toca um novo conteúdo? Pergunte para um investidor de risco quanto dinheiro ele estaria disposto a investir em uma nova tecnologia que tocaria conteúdos de forma que a Hilary Rosen ou o Jack Valenti não assinassem embaixo? A resposta é simples: zero. Zero.
Eles colocaram abaixo uma indústria toda e a inovação em nome dessa guerra terrorista, e isso é a causa. Esse é o prejuízo. Cinco por cento.
E o que você fez a respeito disso? É loucura. É extremismo. Isso é controlado por interesses políticos. Não há justificativa baseada em valores tradicionais que justifique uma regulamentação legal. E nós não fizemos nada a respeito disso. Nós somos maiores do que eles. A gente tinha a lei ao nosso lado. E nós não fizemos nada a respeito disso. Nós os deixamos controlar a discussão. E aqui está o refrão que leva a isso: Eles ganham pois não fizemos nada para impedir isso.
Existe um parlamentar: J. C. Watts. J. C. Watts é o único membro negro do Partido Republicano na liderança. Ele irá renunciar a seu cargo no Congresso. Ele está lá há sete anos e meio. É o suficiente para ele. Ninguém consegue acreditar nisso. Ninguém em Washington consegue acreditar nisso. Rapaz, não passar 700 anos em Washington? Ele diz, vocês sabem, eu gosto de vocês, mas mas sete anos é suficiente, oito anos é demais. Estou fora daqui. Bem na época em que J. C. Watts veio para Washington, essa guerra do open source começou. Bem nessa época.
Em uma entrevista concedida há dois dias atrás, Watts disse, Este é o problema de Washington: "Se você está explicando, você está perdendo". É uma cultura de adesivos de para-choques. As pessoas devem entender dessa forma, e se não entendem, se demorar mais de três segundos para fazê-las entender, você saiu fora do alcance do radar delas. Três segundos para entender ou você perde. Este é o nosso problema. Seis anos após o início essa batalha, nós ainda estamos explicando. Nós continuamos explicando e nós estamos perdendo. Eles vendem isso como uma batalha massiva para impedir o roubo, para proteger a propriedade. Eles não compreendem porque a re-arquitetura da rede destrói a inovação e criatividade. Eles estendem os direitos autorais perpetuamente. Não percebem como isso, por si só, já é uma forma de roubo. Um roubo da nossa cultura comum. Nós temos falhado no sentido de não conseguirmos fazê-los quais são as questões aqui e que é por isso que estamos vivendo nesta situação onde discursos tradicionais sobre a liberdade e seus controles levam essa cultura embora.
Agora, eu passei dois anos falando com vocês. Conosco. Sobre isso. E não fizemos nada ainda. Um monte de energia criando sites e blogs e notícias no Slashdot. Mas nada ainda para mudar aquela visão em Washington. Porque odiamos Washington, certo? Quem desperdiçaria seu tempo em Washington?
Mas se vocês não fizerem alguma coisa agora, esta liberdade que vocês construíram, que vocês passaram sua vida codificando, essa liberdade será tirada de vocês. Seja por aqueles que vêem vocês como uma ameaça, que então invocam o sistema de leis que chamamos de patentes, seja por aqueles que tiram vantagem da extraordinária expansão do controle que a lei de copyright agora lhes dá sobre a inovação. Qualquer uma dessas duas mudanças na lei irá produzir um mundo onde sua liberdade será retirada. E, Se Você Não Pode Lutar por Sua Liberdade... Você Não a Merece.
Mas vocês não fizeram nada.
(A audiência aplaude)
Há um punhado de gente, podemos listá-los, que vocês poderiam estar apoiando, que vocês poderiam estar defendendo. Vamos colocar isso em perspectiva: quantas pessoas doaram dinheiro à EFF? Ok. Quantas pessoas deram mais dinheiro à EFF do que às operadoras locais em troca de uma banda larga de merda? Viram? Quatro. Quantas pessoas deram mais dinheiro à EFF do que gastaram a cada ano para sustentar o monopólio - para sustentar o outro lado? Quantas pessoas deram qualquer coisa para essa gente, Boucher, Canon... Isso não é uma questão de direita ou esquerda. Esse é o fato mais importante a ser reconhecido: isso não se resume a conservadores versus liberais.
No nosso caso, em Eldred (Eldred contra Ashcroft), nós temos essa ação movida por 17 economistas, incluindo Milton Freedman, James Buchanan, Ronald Kost, Ken Arrow, vocês sabem, lunáticos, certo? Liberais de esquerda, certo? Freedman disse que ele somente assinaria se a palavra "moleza" estivesse em algum lugar da petição, como se isso fosse uma coisa óbvia para ele. Isso não tem nada a ver com direita e esquerda. Isso tem a ver com certo e errado. É disso que trata essa batalha. Essas pessoas são da esquerda e da direita. Hank Perritt, acho que o avô do ciberespaço - representa a lei de ciberespaço em Illinois - está se debatendo para conseguir apoio, para levar sua mensagem a Washington. Essas são as fontes, os lugares para onde ir.
E então existe essa organização. Agora alguns de vocês dizem, estou no conselho dessa organização. Luto muitas batalhas nesse conselho. Alguns de vocês dizem que somos muito extremos; vocês dizem isso no mau sentido, certo? Vocês mandam e-mails que dizem "Vocês são muito extremos. Vocês precisam ser mais moderados." Vocês sabem, e estou com vocês. Acho que a EFF é ótima. É o símbolo. Ela luta de verdade. Mas você sabe, ela tem lutado as batalhas de uma maneira que às vezes precisam ser reformuladas. Ajude-nos. Não nos ajude reclamação. Nos ajudem escrevendo "Por favor, sejam mais moderados" nos cheques que vocês enviam. No cheque, certo? Essa é a mentalidade que vocês precisam começar a adotar para mudar essa batalha. Porque se vocês não fizerem alguma coisa agora, então em mais dois anos, alguém vai dizer, ok, dois anos é o suficiente; tenho que retomar minha vida. Eles vão repetir para vocês, Nada mudou. Exceto sua liberdade, que tem sido cada vez mais subtraída por aqueles que vêem que o futuro está contra eles e que eles têm o poder em Washington para protegê-los desse futuro. Maldita seja a sociedade livre.
Muito obrigado a todos.
Lawrence Lessig é professor na Escola de Direito da Universidade de Stanford e fundador do Centro para Internet e Sociedade da universidade. Antes de Stanford, ele foi professor da Berkman da Escola de Direito da Universidade de Harvard. Seu livro “Code, and Other Laws of Cyberspace” foi publicado pela Basic Books.
Fontes relacionadas:
Lawrence Lessig Home Page -- Inclui links para os livros Code and Other Laws of Cyberspace e The Future of Ideas (Futuro das Idéias), artigos, projetos e notícias.
Uma versão em formato Flash da apresentação de Lessig, incluindo áudio e outros tipos de arquivos.
Creative Commons -- Organização sem fim lucrativos fundada com base no conceito de que algumas pessoas gostariam de poder compartilhar seus trabalhos criativos (e o poder de copiar, modificar e distribuir seus trabalhos) ao invés de fazer uso de todas restrições de uma lei de direitos autorais.
The Electronic Frontier Foundation (EFF)
O'Reilly Network Policy DevCenter
O'Reilly Open Source Convention Coverage
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