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Page history last edited by weno 15 years ago

A imprensa "mata-cerrada" e o futuro das notícias - Steven Johnson (original/tradutores)

 

I

 

Se por acaso você frequentasse a área da velha Livraria College Hill em Providence, no estado de Rhode Island em 1987, na terceira semana de cada mês você teria visto um magrelo de 19 anos usando calças largas, com um penteado vagamente lembrando o do Morrisey, entrando na livraria várias vezes por dia.

 

Aquele rapaz era eu. Eu queria poder dizer para vocês que eu estava fazendo aquelas visitas compulsivas por um amor passional por livros. Eu tenho, de verdade, um amor passional por livros, e comprei muitos deles durante meus anos de faculdade, mas eu fazia aqueles ataques táticos à Livraria College Hill por outra razão.

 

Eu estava procurando a última versão da revista MacWorld.

 

Eu havia aprendido por experiência que os lançamentos mensais da revista dedicada a tudo que fosse relacionado com Macintosh chegava à College Hill geralmente na terceira semana do mês. Claro, voce podia assinar a revista, mas, por alguma razão, os exemplares de assinaturas costumavam chegar alguns dias mais tarde que os da livraria. Então, quando chegava essa época do mes, eu me organizava para fazer inspeções regulares à livraria, para conferir se  haviam entregado a MacWorld.

 

Era um comportamento obsessivo, eu admito, mas não completamente irracional. Era o resultado de um tipo de desequilíbrio: não um desequilíbrio químico, mas um desequilíbrio de informação. Para entender o que eu quero dizer sobre o futuro do ecossistema de notícias, é essencial que viajemos de volta às minhas explorações fora da College Hill Bookstore -- as quais continuaram sem pausas, por sinal, durante três anos. É essencial que viajemos de volta porque porque estamos no meio de uma épica discussão sobre o efeito potencialmente devastador que a web está tendo em nossas instituições de notícias. Logo, se vamos ter uma conversa séria sobre o futuro das notícias, precisamos começar falando sobre o passado.

 

Precisamos relembrar como era a vida antes da web.

 

Eu fazia a minha peregrinação mensal para a College Hill por me interessar pelo Mac, que era, devo dizer, um interesse de pouca gente em 1987, embora nem tanto. A Apple já era uma das maiores empresas de computadores pessoais, e, de longe, a mais inovadora. Mas se você quisesse ter notícias sobre os Mac -- as novas máquinas da Apple, a última palavra sobre o novo System 7 ou sobre o HyperCard, ou qualquer novo lançamento dos milhares de desenvolvedores de programas ou fabricantes de periféricos - se você queria estar atualizado, havia apenas um canal disponível para um estudante na cidade de Province em Rhode Island. Você lia a MacWorld.

 

E mesmo assim, mesmo se você ficasse do lado de fora da Livraria College Hill esperando por edições recém saídas da gráfica, você ainda receberia as notícias com um mês ou dois de atraso, devido ao longo tempo de produção das revistas impressas naquela época. Sim, se a Apple anunciasse o lançamento de produto importante, ou demitido Steve Jobs, apareceria no New York Times ou no Wall Street Journal no dia seguinte. E você poderia ocasionalmente roubar alguns pedaços de notícias se ficasse por perto das lojas de computadores da Universidade. Mas isso era o máximo que você conseguiria.

 

Quando saí da faculdade e vim para Nova York no início dos anos 90, os canais de tecnologia começaram a expandir de leve. Em certo ponto daquele período, eu me inscrevi na Compuserve(1), e descobri que a revista MacWeek estava fazendo upload de seus artigos toda sexta-feira à noite, por volta de seis horas, o que logo se tornou uma espécie de versão nerd da hora da novela para mim. O atraso da informação saltou de meses para dias. Em 1993, a revista Wired foi lançada, e repentinamente eu tinha acesso não somente a um maravilhoso repositório mensal de notícias sobre tecnologia, mas também um novo tipo de análise profunda que nunca tinha aparecido nas páginas da MacWorld.

 

Passados alguns anos, a web chegou, e logo depois eu estava lendo um site chamado Macintouch, com atualizações diárias e comentários sobre tudo, do lançamento de novos drivers para impressoras ao futuro dos negócios dos clones do Mac. Críticos de tecnologia como Scott Rosenberg e Andrew Leonard na [revista eletrônica] Salon escreveram dezenas de milhares de palavras sobre os últimos desenvolvimentos da Apple. (Eu escrevi alguns milhares de palavras também na FEED.) Mais ou menos nessa época, a Apple lançou seu primeiro website oficial; agora eu podia ler as notícias mais recentes sobre a companhia diretamente deles, no segundo em que eles as anunciavam.

 

Todos nós sabemos onde isto vai dar, mas vou contar para que fique registrado. Se o Steven de 19 anos pudesse correr no tempo até o dia de hoje, com certeza se espantaria com toda essa tecnologia da Apple - os iPhones e MacBook Airs - Mas acho que ele se espantaria da mesma forma com o tremendo volume e diversidade de informação a respeito da Apple que esta disponivel hoje. Nos velhos tempos, levariam meses até que os detalhes da palestra do John Sculley chegasse até a Livraria de College Hill; hoje o atraso é de segundos, com duzias de pessoas escrevendo ao vivo em seus blogs qualquer coisa que o Jobs diga. No site Ars Technica(2) existem analises de 8000 palavras sobre cada versão nova do OS X, escrita com atenção ao detalhe e sofisticação técnica que excedem qualquer tentativa de um jornal tradicional. Escritores como John Gruber ou Don Norman regularmente escrevem criticas intrincadas sobre detalhes da interface de usuarios. (Eu li possivelmente uns 20 mini ensaios sobre o novo desenho de abas do Safari.) Os jornais tradicionais melhoraram a cobertura também: é só  pensar nas resenhas do David Pogue do NY Times ou ainda o site de Walt Mossberg no Wall Street Journal, sobre Tecnologia Pessoal. Isso sem falar nos blogs de fofocas e boatos.

 

Claro, MacWorld ainda está por ai como uma revista impressa, mas tem um site na internet. Só ontem eles publicaram 26 artigos relacionados á Apple.

 

II

 

As metáforas que costumamos pensar sobre mudanças na mídia têm muito a nos dizer acerca do momento particular em que estamos. McLuhan(3) falou da mídia como uma extensão de nosso sistema nervoso central, e passamos quarenta anos tentando entender como a mídia estava reconectando nossos cérebros. A metáfora que você ouve agora é diferente, mais para E. O. Wilson(4) do que para McLuhan: o ecossistema. Eu penso que essa é uma maneira útil de pensar sobre o que está acontecendo conosco agora: a mídia de hoje está de fato mais próxima de um ecossistema do mundo real, um sistema de fluxos e alimentação - completamente diferente de uma linha de comando. Essa complexidade é o que torna tudo tão interessante, está claro, mas também é o que torna tão difícil prever como será a mídia parecerá em cinco ou dez anos. Então em vez de começarmos pelo futuro, proponho que olhemos para o passado.

 

Para usar essa metáfora de ecossistema: o estado das noticias sobre os Mac em 1987 era um árido deserto. Hoje, é uma florescente mata atlantica. Em quase todos os aspectos importantes, o estado das noticias sobre os Mac tem melhorado imensamente desde 1987: está com mais volume, diversidade, atualidades e conteúdo.

 

Penso que a constante transformação de deserto para selva pode ser a única grande tendência que devemos notar quando falamos sobre o futuro da notícia. Não o futuro da indústria da notícia, ou o negócio do jornal impresso: o futuro da notícia em si. Porque há de fato o caso de dois cenários piores que nós estamos preocupados agora, e é importante fazer a distinção entre eles. Existe o pânico de que os jornais estão a desaparecer como negócio lucrativo. E depois existe o pânico de que informações cruciais irão desaparecer com eles, que a cultura irá sofrer porque os jornais não terão recursos para gerar a informação com a qual nós contamos há tantos anos.

 

Quando você ouve as pessoas alarmadas sobre o futuro da notícia, elas geralmente se referem à ameação de extinção de duas espécies chave: os correspondentes de guerra e os jornalistas investigativos. Será que os blogueiros irão sair de seus pijamas e se instalar num escritório em Bagdad? Será que eles irão usar os métodos de detetive antigos e implacáveis para fazer o trabalho que fizeram Woodward e Bernstein? Essas são as questões verdadeiramente importantes, e penso que temos boas razões para ficarmos otimistas em relação a essas respostas. Mas você não pode ver as razões para esse otimismo apenas olhando para o estado atual do jornalismo de investigação na blogosfera, porque o novo ecossistema do jornalismo de investigação está em sua infância. Existem dezenas de projetos interessantes sendo liderados por pessoas muito inteligentes, alguns deles sem fins lucrativos, alguns com fins lucrativos. Mas eles estão germinando.

 

Acho que é muito mais útil, para prever o futuro do jornalismo investigativo, olhar para o passado do jornalismo tecnológico. Quando os ecologistas vão para campo investigar ecossistemas naturais, eles procuram onde as florestas são mais antigas, nos locais onde a natureza teve mais tempo para evoluir, diversificar-se e criar conexões. Eles não estudam a floresta tropical brasileira olhando para uma área onde não havia mata há dois anos.

 

É por isso que o ecossistema da notíca sobre tecnologia é tão crucial. É a mata-cerrada da web. Trata-se de um sub-gênero de notícias que tem tido mais tempo para evoluir. A web não tem uma aptidão intrínseca para cobrir tecnologia melhor do que outros campos. Ela só tem uma tendência intrínseca para cobrir a tecnologia em primeiro lugar, porque as primeiras pessoas que utilizaram a web eram muito mais interessada em tecnologia do que eram, por exemplo, as reuniões de conselhos escolares ou na Liga Nacional de Futebol Americano. Mas isso mudou, e continua a mudar. A transformação do deserto do MacWorld para a rica diversidade da cobertura sobre tecnologia de hoje está acontecendo em todas as áreas de notícias. Como o futuro imaginado por William Gibson, ela ainda não está uniformemente distribuídas.

 

III

 

Considere outro estudo de caso - um pouco menos CDF: a política. A primeira eleição presidencial que eu acompanhei de uma maneira obsessiva foi a que o Clinton venceu em 1992. Eu era tão compulsivamente dependente de notícias sobre a campanha como eu era de notícias sobre o Mac na universidade: a cada dia, o New York Times tinha um punhado de notícias sobre a campanha, debates, ou as últimas pesquisas. Toda noite eu, obrigatóriamente, assistia o programa Crossfire para ouvir o que a alta cúpula dos analistas de política tinha a dizer sobre os acontecimentos do dia. Lia a Newsweek, a Time e a New Republic, e dava uma passada de olho na New Yorker em suas publicações ocasionais sobre política. Quando havia transmissão de debates, eu os assistia religiosamente e ficava até tarde escutando os comentários dos peritos reunidos.

 

Dificilmente aquilo pode ser chamado de um deserto, tenha certeza. Mas compare isso com os os canais de informações que estavam à minha disposição na eleição de 2008. Tudo que eu utilizava em 1992 ainda estava no ar - com exceção, lamentavelvente, do Crossfire - mas agora eu era parte de uma imensa floresta de novas notícias, dados, de opinião, de sátira - e talvez mais importante, de experiências diretas. Sites como Talking Points Memo e Politico fizeram extensas reportagens próprias. Daily Kos forneceu pesquisas aprofundadas e relatórios de campo sobre o estado da corrida eleitoral, coisas que o New York Times nunca teria tido a tinta para cobrir. Blogueiros individuais como Andrew Sullivan reagiam a cada mudança no ciclo da notícia; HuffPo escolheu as opiniões mais provocativas do resto da blogosfera. Nate Silver no fivethirtyeight.com fez meta-análises de pesquisas de intenção de voto que William Schneider nem de longe sonhava em fazer na CNN em 1992. Quando a economia implodiu em setembro, eu acompanhei economistas blogueiros como Brad DeLong para obter seus pontos de vista embasados sobre as respostas dos candidatos respostas para a crise. (Yochai Benchler fala sobre este fenômeno de acadêmicos envolverem-se no ciclo noticioso em uma resposta inteligente aqui - falta link.) Eu assisti a um debate com mil amigos virtuais tuitando ao vivo junto comigo do sofá. Tudo isto foi filtrado e remixado pela extraordinária sátira política de John Stewart e Stephen Colbert, que eu assisti, através de clipes virais na web tanto quanto pela TV.

 

Além disso, o ecossistema das notícias políticas também incluiu informações vindas diretamente dos candidatos. Pense no discurso da Filadélfia [de Barack Obama], sem dúvida um dos dois ou três momentos-chave da campanha. Oito milhões de pessoas o assistiram só pelo YouTube. O que teria acontecido a esse discurso se ele tivesse sido feito em 1992? Alguma emissora o teria exibido na íntegra? Com certeza não. Ele teria sido reduzido a um resumo de um minuto de audio nas notícias noturnas. A CNN provavelmente o teria exibido ao vivo, o que poderia significar que 500 mil pessoas o assistiriam. Fox News e MSNBC? Elas sequer existiam. Alguns jornais sérios imprimiriam o discurso na íntegra, o que adicionaria outro milhão à audiência. Talvez algum dos poucos internautas da época enviasse uma transcrição para a Compuserve ou The Well, mas não poderíamos esperar mais que isso.

 

Não há dúvidas que o ecossistema de noticias sobre política de 2008 foi muito superior ao de 1992: eu tinha mais informações sobre o estado da corrida eleitoral, as táticas de ambos os candidatos, as questões que eles estavam enfrentando, o pensamento do eleitorado em regiões diferentes do país. E eu tinha mais acesso imediato aos candidatos: os seus discursos e mudanças não programadas; sua linguagem corporal e relatórios com suas opiniões sobre temas estratégicos.

 

A velha questão sobre essa nova diversidade era que ela era fundamentalmente parasitária: blogueiros eram interessantes, claro, mas se as organizações jornalísticas tradicionais fosse embora, os blogueiros não teriam nada para escrever, pois a maior parte do que eles faziam era linkar para conteúdo produzido profissionalmente. Deixe-me ser claro: as organizações jornalísticas tradicionais foram uma parte importante do ecossistema 2008, não há dúvida sobre isso. Eu adorava ler as reações confiavelmente sensatas a cada passagem do frenesí da mídia; e certamente a entrevista de Katie Couric com Sarah Palin foi tão importante quanto o discurso de Obama falando de raça para moldar a nossa impressão dos candidatos. (Embora eu suspeite que a entrevista de Couric teria tido muito menos impacto sem a distribuição viral dos clipes da CBS na web.) Mas nenhum observador razoável do ecossistema de notícias sobre política poderia descrever todas essas novas espécies como parasitas da mídia tradicional. Imagine quantos barris de tinta para impressão foram gastos na publicação do opiniões sobre a gafe de Obama em São Francisco sobre as pessoas "agarradas às suas armas e a religião." Mas o comentário original sobre essa citação não provêm do New York Times ou do Wall Street Journal, veio de um "repórter cidadão" chamada Mayhill Fowler, participante do projeto Off The Bus patrocinado pelos Newassignment.net de Jay Rosen e The Huffington Post.

 

Penso que a cobertura da campanha política política de 2008 na web foi tão rica precisamente pelas mesmas razões que a cobertura sobre tecnologia na web é tão rica: porque é mata cerrada da mídia. A primeira onda de blogs foi sobre tecnologia e, em seguida, por qualquer motivo, a onda seguinte foi sobre política. E assim o estilo Web 2.0 de cobertura política teve uma década para amadurecer até o seu estado atual.

 

O que aconteceu com a tecnologia e política está a acontecer em outros lugares, apenas em um tempo diferente. Esportes, negócios, resenhas de filmes, livros, restaurantes - todos os campos do formato antigo de jornal estão proliferando on-line. Há mais perspectivas; há mais profundidade e mais superfície agora. Isso é o novo crescimento. É epenas começou a amadurecer.

 

Na verdade, acho que, a longo prazo, vamos voltar a analisar muitos aspectos da velha mídia e perceber que estávamos vivendo em um deserto disfarçado de floresta tropical. A notícia local pode ser o melhor exemplo disto. Quando as pessoas falam sobre os danos cívicos que uma comunidade sofre por perder o seu jornal, uma das principais coisas que as pessoas apontam é para a perda da cobertura noticiosa local. Mas eu suspeito que, em dez anos, quando olharmos para trás para as coberturas locais tradiconais, elas irão se parecer muito mais com a situação da MacWorld em 1987. Eu adoro ler o caderno com notícias locais da cidade do New York Times, mas quando eu vou lê-la todos os domingos, há apenas três ou quatro histórias em toda a seção que eu acho interessante ou relevante para a minha vida, das vinte histórias totais da seção. E todas as semanas no meu bairro há, facilmente, vinte histórias que eu estaria interessado em lêr: um assalto a três quarteirões da minha casa; abertura de uma loja de conveniência; a venda de uma casa; a grande vitória da equipe de basebol da escola do meu filho. O New York Times não cobre essas coisas em papel impresso não é porque alguns jornalistas não fazem a parte deles, mas sim porque não é econômicamene viável: há apenas alguns milhares de pessoas potencialmente interessadas nessas notícias e eventos, em uma cidade de 8 milhões de habitantes. Há notícias da área metropolitana que interessam a todas as pessoas em uma cidade: corrida eleitoral pela prefeitura, cortes na verba das escolas, grandes nevascas. Mas o que mais nos preocupamos em nossa experiência local fica na cauda longa. Nós nunca pensaremos ser uma falha do jornal que em sua seção metropolitana não exista a noticia sobre o fechamente de uma loja de conveniência, porque não é concebível que um grande jornal vá cobrir um evento com um raio de interesse tão pequeno como esse.

 

Mas claro, isso é o que a web pode fazer. Essa é uma das principais razões pela qual criamos o outside.in, pois eu acordava de manhã e continuava lendo blogueiros locais do Brooklyn, como o Brownstoner, que foram subitamente abrangendo notícias locais de uma forma que o Times nunca havia tentado. Dois anos depois, há perto de mil blogueiros escrevendo sobre o Brooklyn: há vários blogs dedicados ao desenvolvimento imobiliário da Atlantic Yards; deenas seguindo blogs que falam sobre a cena culinária do Brooklyn; blogs sobre música, blogs políticos, blogs de pais e mães. O próprio New York Times está lançando agora blogs locais do Brooklyn, o que é ótimo. Na medida em que aprendemos a organizar melhor todo esse conteúdo - tanto pela escolha do melhor deles, quanto pela triagem geografica - nossos avaliações sobre o que constitui uma boa cobertura local irão melhorar. Estamos passando pela mesma evolução que eu vivi de ler notícias com dois meses de atraso para esperar blogagem ao vivo dos anúncios importantes. Em cinco anos, se alguém for assaltado a meia milha da minha casa e eu não receber um e-mail de alerta sobre o assunto dentro de três horas, vai ser um sinal de que algo não está funcionando.

 

IV

 

Então é isso que as matas cerradas nos dizem: haverá mais conteúdo, não menos; mais informação, mais análises, mais precisão, uma gama maior de nichos cobertos. Você já pode ver o processo acontecendo na maioria das seções importantes dos jornais impressos: tecnologia, política, finanças, esportes. Agora suponho que seja possível que por algum motivo as coberturas investigativas ou internacionais não prosperem sozinhas nesse novo ecossistema, que em dez anos olharemos para trás e perceber que quase tudo evoluiu, menos essas duas áreas. Mas penso que seja tão possível que toda essa inovação em outros lugares libertará a mídia tradicional para se focar em coisas como a cobertura de guerra porque eles não precisarão pagar por todos os outros conteúdos que eles historicamente tiveram que produzir. Esse é o bordão de Jeff Jarvis (5): faça o que você faz melhor, e ofereça links para o resto. Minha impressão é de que a tradição venerável do jornalista de denúncia (6) estará viva e bem daqui a dez anos: mantida parcialmente por jornais e revistas, parcialmente por organizações sem fins lucrativos e programas inovadores como o Newassignment.net (7), e parcialmente por blogueiros empreendedores que constroem seu próprio nome por noticiarem histórias importantes.

 

Agora, há uma objeção à visão de notícia deste ecossistema que eu levo muito a sério. É muito mais complicado navegar neste novo mundo do que é sentar para ler o jornal de manhã. Há muito mais opções para escolher e, é claro, há mais barulho agora. Para cada Ars Technica(8), há uma dúzia de “sites de boatos” que apenas inventam histórias sem qualquer responsabilidade. Estou confiante que eu recebo muito mais informações úteis desse novo ecossistema do que eu recebia da mídia tradicional quinze anos atrás, mas eu me orgulho em ser navegador de informação experiente. Podemos esperar que o público em geral tenha a mesma habilidade e tato para navegar neste novo ecossistema?

 

Vamos dizer que, para o propósito do argumento, não possamos. Vamos dizer que seja devastador para o consumidor médio selecionar as novas vozes online disponíveis, separar fatos de ficção e relatos verídicos de rumores. Vamos supor que eles necessitem algum tipo de guia confiável, para ajudá-los a encontrar toda a informação util que prolifera mundo afora.

 

Se ao menos houvesse alguma instituição com reputação de integridade jornalística, que tivesse uma equipe de editores treinados e uma audiência em crescimento constante que visitasse seu website todos os dias em busca de informação de qualidade. Se ao menos...

Claro, temos milhares dessas instituições. Nós as chamamos de "jornais".

 

Um fato engraçado sobre jornais de hoje em dia é que a audiência está crescendo a uma taxa fora do comum. O seu nebuloso modelo de negócio vem sendo atacado por multiplas frontes, mas sua audiência online vem crescendo tão rapido quanto sua audiência "impressa" vem diminuindo. Em janeiro, a circulação impressa caiu de 63 milhões para 49 milhões desde os meu tempos ds livraria College Hill. Mas, a sua audiencia online cresceu de 0 para 75 milhões durante este mesmo periodo. Medida puramente pelo interesse de seu público, os jornais nunca forma tão relevantes. Se eles abraçarem este modelo como um guia confiavel para todo o ecossistema de noticias, se eles pararem de pagar pelo conteudo que a web já gera por conta propria, eu suspeito que a longo prazo eles se tornarao sustentáveis e vitais como eles jamais foram. O lema de todos os jornais do país deveria ser: todas as notícias que merecem link. (9)

 

No final, acredito que o ecossistema se parecerá assim:

 

 

 

NovoEcossistema

 

O sistema será perfeito? Provavelmente não. Mas acho que temos razões para acreditar que será uma melhora no paradigma que estamos vivendo desde o século passado.

 

Deixem-me dizer só mais uma coisa. Estou otimista com o futuro das notícias, como vocês podem notar. Mas não estou otimista em relação ao que está acontecendo neste exato momento com a indústria dos jornais. A situação está feia, e vai ficar ainda mais. Grandes jornalistas e editores vão perder seus empregos, e cidades irão perder seus jornais. Deveria ter havido um processo evolucionário de dez anos: o ecossistema rapidamente diversificando e estabelecendo suas relações complexas, os novos modelos de negócios se desenvolvendo, os jornais lentamente se transferindo do impresso para o digital, em conjunto com os anunciantes. Em vez disso, a crise financeira - e algumas operações de alavancagem (10) excessiva pelas próprias companhias - tomou o que deveria ter sido um processo de uma década e o espremeu em um ano ou dois. Isso é uma notícia ruim por duas razões. Primeiro, porque trará muito estresse para pessoas dentro dessa indústria que produzem grandes coisas, e que oferecem um bem social importante com o seu trabalho. Mas também é uma notícia ruim porque vai nos distrair da visão a longo prazo; vamos perder tanto tempo tentando entender como manter o modelo antigo vivo que não estaremos aptos a ajudar a inventar um novo modelo que na realidade iria funcionar melhor para todos. As florestas antigas não vão magicamente crescer por conta própria, é claro, e não há dúvidas de que haverá falsos começos e complicações ao longo do caminho. Mas em tempos como esse, quando tudo o que é sólido desmancha no ar, como Marx já disse em outra época turbulenta, é importante que tentemos imaginar como nós gostaríamos que o futuro se apresentasse e que foquemos nosso olhar nessa direção, e não somente lutemos para manter o passado vivo por mais alguns anos.

 

É por isso que queria retroceder até 1987 na livraria College Hill: para lembrar-nos de que o ecossistema de notícias emergente já é fato entre nós, e já faz coisas maravilhosas. Boa parte de nós nesta sala, eu desconfio, já vive nas antigas florestas agora. É nossa responsabilidade lembrar a todos quão promissor os ecossistemas  realmente são  -- ou, ainda melhor, ajudá-los alcançar os resultados dessa promessa.

 

Notas:

1. um BBS de tecnologia desde os anos 70, nesta epoca era o maior canal da internet, básicamente atendendo nerds em milhares de forums

2. "Servindo os Tecnologistas há mais de 10x10-2 séculos."

3. teórico canadense, autor da ideia de que "o meio é a mensagem"

4. biólogo e ecologista americano

5. Jeff Jarvis: jornalista norte-americano, criador do blog Buzz Machine.

6. "Mucracking" é a prática de denúnciar, vazar informações do governo ou de empresas em nome do bem público. Não sei se haveria outra expressão que não "jornalista de denúncias"

7. NewAssignment.net é um portal de reportagens open-source.

8. Site/ Blog sobre tecnologia que tem uma ótima reputação, pois tem uma equipe de teste para cada assunto.

9. "all the news that's fit to print" é o lema do NYT, a essencia da imprensa, as noticias que interessam. O jogo de palavras propõe que ao invés de rejeitar que seu conteúdo seja distribuído, os novos jornais vão querer que suas páginas sejam linkadas.

10. leverage (no original em inglês) ou alavancagem é a utilização de créditos ou fundos de outrem para aumentar os lucros, como as compras de títulos de créditos que levaram à falência do sistema de subprime nos EUA.

Comments (3)

Sérgio Storch said

at 8:27 pm on Apr 1, 2009

Juliano, conheci hoje o adote-um-parágrafo. Idéia revolucionária, parabéns! Tive alguma dificuldadezinha com a usabilidade, mas um pouco de insistência supera isso.
ESTE ARTIGO É MARAVILHOSO! E muito fecundo para imaginarmos a transposição dessa visão histórica para a dinâmica que se dá dentro das organizações. Quanta gente se agarra com força ao seu queijo ("quem mexeu no meu queijo?"), sem se dar conta de que está deixando de se recriar para a nova realidade! Isso me fez retomar um post que comecei a escrever no Dia do Bibliotecário (12/3) e deixei inacabado. Toda uma categoria de pessoas com uma formação preciosa para o novo mundo, preocupando-se em criticar corporativamente o governo por criar salas de leitura sem contratar bibliotecárias...

De novo, parabéns e obrigado: eu não teria parado o corre-corre para ler este artigo, se não fosse pela curiosidade em conhecer o Adote...

Um abraço
Sérgio Storch
www.contentdigital.com.br

Kaléu Caminha said

at 11:18 pm on Apr 6, 2009

Estou muito feliz em conhecer esse projeto incrível.
Parabéns a todos. Tenho dois livros do Steven e não tenho a menor dúvida que a tradução deste artigo ficou tão digna quanto a dos livros.

juliano said

at 9:16 am on Apr 9, 2009

Olá Keléu e Sérgio - em parte me surpreendeu que voces tenham gostado mais do artigo do SJ que os do Clay. ele nao é tao conhecido, mas acho mais concistente. de todo modo, agradeço as mensagens, de coraçao, e convido voces a adotarem um parágrado tbem ;-) abraçao

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