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Sobre "socialismo": segundo round - por Lawrence Lessig (original / tradutores)

 

Este texto traz a segunda parte da resposta de Lessig ao texto O Novo Socialismo, de Kevin Kelly. A primeira parte está aqui.

 

Há uma resistência interessante (veja os comentários) à minha resistência à descriçao que Kevin Kelly faz da (como outros denominam) Web 2.0 como "socialismo". Essa resistência (à minha resistência) me convence de que não provei meu ponto de vista.

 

Não obstante a confiança na minha "ignorância" em relação à filosofia política (e não falem disso ao meu tutor em filosofia política de Cambridge, onde estudei essas coisas por três anos), meu ponto não é que seja impossível compreender o "socialismo" como Kelly o descreve. (Obviamente, se um míssil pode "manter a paz", qualquer coisa pode qualquer coisa). Também não é que na história do "socialismo" as pessoas nunca tenham compreendido essa ideologia (é claro que existiram muitas comunidades voluntárias que se autodenominaram "socialistas"). Na verdade, meu argumento contra Kelly refere-se à responsabilidade na linguagem: como as palavras, ou o rótulo, que ele usou seriam compreendidas. Não depois de ler "um artigo de 3.500 palavras que redefine o termo", como eu disse. A questão é: como esse termo seria compreendido por uma cultura cuja atenção tem cada vez mais o alcance de somente 140 caracteres?

 

Na minha opinião, a resposta a essa pergunta é absolutamente clara: "socialista" deveria ser associado com a visão dominante e moderna  do "socialismo", que tem, em seu núcleo, a coerção. E como a Internet que Kelly e eu celebramos não tem "coerção" em seu núcleo, eu afirmo, não é "socialista".

 

Ao ler as reações ao meu argumento, no entanto, percebo que, ao usar o termo "coerção" eu estava cometendo o mesmo erro que eu estava acusando Kelly de cometer. As pessoas associam a palavra "coerção" com Abu Ghraib ou Stalin. E, certamente, a "coerção" do socialismo não é necessariamente (ou mesmo frequentemente) essa.

 

Correto. Por "coerção" eu quis dizer somente leis - que o "socialismo" é um sistema sustentado pela lei, e sustentado em oposição à maneira com que os indivíduos escolheriam se associar com autonomia. Novamente, sou a favor desse tipo de coerção em vários contextos. Sou a favor da redistribuição de renda (até certo ponto); eu quero escolas públicas melhores, quero que as pessoas sejam forçadas a vacinar seus filhos, etc. Então, quando uso o termo "coerção", não quero dizer nada necessariamente negativo. Quero dizer algo analítico: que a Wikipédia, se coage, coage de forma diferente do que pelo menos 95% (dos americanos) entendem pelo termo "socialismo".

 

Novamente, se você duvida disso, pense sobre os críticos do "socialismo" nos Estados Unidos: Nenhum deles queixa-se de pessoas que escolhem voluntariamente se associar com outras da maneira como elas quiserem (exceto, claro, se elas são gays). Eles estão reclamando de pessoas sendo obrigadas a associar-se de maneiras que elas não escolhem se associar. Não há nada inconsistente com alguém se identificar com a direita do Partido Republicano (e anti-socialista) e no entanto trabalhar preparando a sopa* na cozinha da igreja aos sábados. Essas esferas são separadas na mente americana. Porque eles são separadas, uma pessoa pode escolher ser um colaborador da Wikipedia e não ver incoerência em votar a favor de Ronald Reagan.

 

(Mas não são as "obrigações livremente escolhidas" muitas vezes impostas (isto é, na minha perspectiva, "coagidas") pelo Estado? Claro que são - como os realistas legais** e, mais recentemente, o movimento Critical Legal Studies se esforçaram para nos lembrar. Mas eles tinham que dar duro, pois eles estavam trabalhando contra uma hipótese muito arraigada sobre o sentido do termo "coerção." Eles queriam mudá-la. Mas pelo menos reconheceram que havia alguma coisa lá para ser mudado.)

 

Portanto, meu argumento contra Kelly é que é errado usar um termo (pelo menos no contexto de um ensaio da Wired; um seminário de filosofia invocaria um conjunto ético completamente diferente) que seria completamente mal interpretado. Nós escolhemos as nossas palavras. Nós não escolhemos o nosso significado.

 

Mas se você ainda não está convencido, então aqui está uma hipótese que retoma o mesmo ponto. (E ressalto, estou sendo REALMENTE cuidadoso aqui - esta é somente uma hipótese):

 

Imagine que alguém dissesse que as políticas econômicas de Barack Obama são "fascistas". Mas ao afirmar isso a pessoa não estaria se referindo ao fascismo daquele que se tornaria o Partido Nazista Alemão. Ela não quis dizer o racismo que define o termo. Ao invés disso, ela se referiu ao fascismo dos primóridos do Partido Nacional Socialista ou a seu equivalente na Itália ou Inglaterra, ou ao início da administração de Franklin Delano Rooselvelt.

 

Meu ponto é que independentemente do quão correto seria descrever as adminstrações 'czaristas' atuais com a política centralizante e corporativa do início da década de 1930, seria anti-ético denominá-la "fascista". O termo tem sido marcado, assim como o nome "Adolf" foi marcado e em contextos misturados e desatentos, é errado ignorar esta marca.

Segundo, e finalmente: Mesmo se não fosse, a descrição de Kelly seria errada. Mesmo se houvesse um conceito utilizável (ao contrário de um conceito possível) de "socialismo voluntário", seria tão errado descrever o que maioria pensa quanto Web 2.0 como "socialista". Isso novamente por causa da parte que Kelly ignora. Certo, existe uma "economia de distribuição" como eu descrevi em REMIX. Essa economia serve bem para o Kibbutz ou a Wikipédia. E se você quer chamar isso de "socialista", sem problemas. Mas a economia "híbrida" não é essa economia. Os Facebooks e Twitters e Flickrs e Yelps! não são entidades engajadas em uma vontade de abraçar o mundo. São empresas que prometem a seus investidores um grande retorno para seus investimentos de alto risco.

 

Para fazer isso, claro, eles precisam se comportar diferentemente da conduta dominante de, digamos, os advogados de Hollywood. Mas se eles se comportam como Gandhi, eles não vão ter sucesso em sua missão - que é (por mais que "mudar o mundo" ou "não seja mau" seja parte do plano) ganhar dinheiro. Essas pessoas não são "socialistas" (exceto no sentido corrompido que define o termo em muitos lugares hoje). Essas pessoas são membros de uma economia híbrida. O Tim [O'Reilly] chama de "Web 2.0". E ainda que eu posso compreender que alguém se sinta "torturado", como Kelly fala, usando esse termo (eu não me sinto, mas quem sou eu para corrigir o Kelly), o medo dessa tortura não justifica essa violação da ética da linguagem. A liberdade da Wikipédia e de outros está ameaçada o suficiente. Nós não precisamos acrescentar mais a bagagem do "socialismo" nessa história.

 

Notas da tradução:

 

* referencia ao trabalho voluntário de preparar comida nas congregações religiosas - especialmente as protestantes - nos finais de semana.

 

** Realismo legal é um grupo de teorias sobre a essência das leis e que considera que toda lei é feita por seres humanos e, portanto, tem as mesmas imperfeições humanas.

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